Presença, dados e ausências: a negritude na América Latina
- COMMBNE

- 23 de jul.
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Atualizado: 24 de jul.

“Somos parte da América Latina e também somos o que ela tenta esconder.” - Olhares Negros, Commbne
Por Laura Beatriz
Commbne, 23 de julho de 2025 - Mais de 134 milhões de pessoas negras vivem hoje na América Latina e no Caribe. São milhões de corpos e histórias que ajudaram a construir a riqueza cultural, econômica e espiritual desse território. Ainda assim, seguimos sendo silenciadxs pelas estatísticas, palavras e estruturas. A presença negra no continente é ampla, mas o racismo regional age como um filtro que distorce, apaga e camufla. O projeto colonial, que moldou os Estados latino-americanos, fez questão de apagar as marcas africanas sob o mito da mestiçagem, da homogeneidade racial e da falsa harmonia.Em quase todos os países do continente, há resistência negra mas também há apagamentos sistemáticos que se manifestam em três camadas principais: a ausência de dados, a linguagem colonizada e a sub-representação política.
Onde estão as pessoas negras da América Latina?
A pergunta é simples mas a resposta, nem tanto. Porque apesar da presença real, os números oficiais quase nunca acompanham a complexidade das identidades negras na região. O que encontramos hoje:
• Brasil: 56% da população é negra (pretos + pardos) – IBGE, 2022.
• Colômbia: 10,6% da população se autodeclara negra – DANE, 2018; movimentos estimam até 20%
.• Cuba: Cerca de 35% se reconhece como negra ou mestiça, segundo movimentos sociais.
• Equador: 7,2% se identificam como afroequatorianos – INEC, 2022.
• México: 2,04 milhões se identificaram como afrodescendentes em 2020 (1,7% da população).
Esses dados são resultado da luta dos movimentos negros latino-americanos, que por décadas reivindicam o direito ao reconhecimento. No Equador, por exemplo, a autoidentificação é dificultada por séculos de racismo e miscigenação forçada.
Invisibilidade estatística e exclusão política
“Sem dados, não há políticas.” Essa é uma das frases mais repetidas pelos movimentos negros, com um motivo claro: a invisibilidade é política.
Quando a população negra não é reconhecida oficialmente, ela também não é levada em consideração na distribuição de recursos, na formulação de políticas públicas ou na ocupação de espaços de poder. O racismo estrutural atua para manter as estruturas como estão.Mesmo no Brasil (país com a maior população negra fora da África) a desigualdade racial continua sendo regra:
• Pessoas negras ganham, em média, 61,4% menos do que pessoas brancas.
• Ocupam os piores índices de acesso à educação, saúde, moradia e segurança.
• Estão sub representadas nos cargos eletivos, na mídia e nas universidades.
A linguagem também apaga
O racismo latino-americano tem vozes e sotaques variados mas um silêncio em comum. Ele habita a linguagem, as palavras não ditas, os nomes distorcidos.Muitos países ainda evitam nomear a negritude. Usam eufemismos como 'moreno', 'trigueño', 'de color', ou se escondem atrás do discurso de que “aqui todo mundo é mestiço”. Essas expressões apagam identidades e reforçam o mito da democracia racial.Esse tipo de linguagem não é neutra: ela cria barreiras para o reconhecimento político, para a construção de pertencimento e para a luta coletiva. Reconhecer essa negritude é também reconhecer que o racismo é um sistema continental. E que, por isso, o antirracismo também precisa ser articulado, transfronteiriço e comprometido com uma comunicação que não apenas denuncia — mas também reconstrói imaginários.
Apesar dos silenciamentos, a negritude latino-americana é força, é presença, é história viva. É cultura, arte, luta, religiosidade, oralidade. É a memória dos quilombos e palenques, é a batida dos tambores nas festas populares, é a resistência dos saberes ancestrais nas periferias urbanas.
Comunicação antirracista: ferramenta de reconexão
Falar da negritude latino-americana é abrir espaço para trocas: entre Brasil e Colômbia, entre Equador e Cuba, entre os terreiros e as favelas, entre as universidades e os becos.A comunicação antirracista, nesse cenário, é mais do que uma estratégia. É uma necessidade histórica. Por isso, precisamos de narrativas que nomeiem, visualizem e valorizem a diversidade negra do continente. E esse direito ao acesso a dados e estatísticas, é também dignidade.
Ao visibilizar a negritude latino-americana, não estamos apenas falando de passado. Estamos construindo futuro. Um futuro onde nossos saberes, nossos rostos e nossos idiomas não sejam mais periféricos, mas centrais.
Referências
- CEPAL, 2020- IBGE, 2022- DANE, 2018 (Colômbia)- INEC, 2022 (Equador)- Censos nacionais da América Latina









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