Governos lusófonos na África reprimem jornalistas com leis da era colonial
- COMMBNE

- 16 de mai.
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Atualizado: 10 de jun.
Organizações internacionais denunciam uso político de legislações herdadas de Portugal para silenciar a imprensa em ex-colônias africanas, meio século após a independência

Commbne - Meio século após proclamarem sua independência, os países africanos de língua portuguesa ainda enfrentam sérios entraves à liberdade de imprensa. De acordo com uma reportagem da Deutsche Welle (DW), o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) alertou que governos de ex-colônias portuguesas continuam a usar leis de difamação criminal herdadas da era colonial como ferramentas para reprimir jornalistas.
A coordenadora do CPJ para a África, Angela Quintal, enfatizou que essas legislações são "facilmente abolíveis" e sua revogação estaria em consonância com a Declaração da União Africana sobre Liberdade de Expressão e Acesso à Informação. “É necessário sensibilizar as autoridades que prendem, intimidam ou atacam jornalistas durante a cobertura de protestos e eleições”, declarou.
Assédio sistemático e censura institucionalizada
Segundo o CPJ, há casos documentados de uso dessas leis repressoras em quatro dos cinco países africanos lusófonos — com exceção de São Tomé e Príncipe. Angela Quintal lamentou que, apesar das garantias constitucionais, profissionais da imprensa continuem enfrentando censura, assédio, agressões, detenções arbitrárias, processos judiciais, desaparecimentos e até mortes. “A censura e o controlo da informação permanecem práticas recorrentes de quem está no poder”, afirmou.
O caso da Guiné-Bissau é emblemático dessa realidade. Angela Quintal mencionou que o presidente Umaro Sissoco Embaló chegou a “ameaçar e desacreditar publicamente os meios de comunicação”. Além disso, a manipulação de licenças para manter rádios independentes fora do ar e a adoção de novas leis restritivas comprometem o exercício livre do jornalismo.
Guiné-Bissau despenca em ranking internacional
No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio, a presidente do Sindicato de Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social da Guiné-Bissau (Sinjotecs), Indira Correia Baldé, expressou preocupação com a queda do país no ranking da Repórteres Sem Fronteiras (RSF). A Guiné-Bissau despencou do 92.º lugar em 2024 para o 102.º em 2025.
Baldé atribuiu o recuo à “pressão política e económica crescente” sobre os comunicadores. Ela também endossou os alertas da RSF sobre agressões físicas, saques a redações e perseguições sexistas a jornalistas. Para enfrentar esse cenário, sugeriu políticas públicas de inclusão digital, ampliação do acesso à informação e incentivo à comunicação local, sobretudo nas áreas afastadas da capital.
São Tomé e Príncipe: indignação diante da omissão estatal
Embora não tenha registrado casos recentes de criminalização por difamação, São Tomé e Príncipe não está isento de críticas. Em nota oficial, o sindicato dos jornalistas do país disse estar “indignado” com a falta de políticas para garantir uma imprensa "independente, pró-ativa e isenta". A porta-voz Fernanda Costa Alegre destacou que, mesmo com as aprovações do Orçamento Geral do Estado e dos planos para 2025, "não houve ações concretas para mudar o paradigma da comunicação social".
Ela também reconheceu falhas internas na categoria, como a "fraca capacitação de alguns profissionais e os baixos salários", fatores que alimentam a desmotivação e impactam a qualidade da informação.
Panorama desigual entre países
Sadibou Marong, diretor do escritório da RSF para a África Ocidental, destacou que, mesmo diante das adversidades, a imprensa tem contribuído para a melhoria das democracias nos países africanos. Segundo ele, Cabo Verde se destaca positivamente, enquanto Angola, Moçambique e Guiné-Bissau figuram em situação oposta. Marong afirmou ainda que São Tomé e Príncipe “não é um país aberto onde se possa falar livremente, incluindo jornalistas”.
Ele reforçou o apelo para que autoridades em Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé respeitem a liberdade de imprensa e o direito constitucional à informação.
Moçambique e Angola: entre avanços estatísticos e retrocessos reais
Apesar de Moçambique ter subido do 105.º para o 101.º lugar no ranking global da RSF em 2024, o MISA-Moçambique alertou para a piora nas violações à liberdade de expressão, especialmente após as eleições. O mesmo padrão se repete em Angola, onde, segundo o MISA-Angola, o último ano foi marcado por um “retrocesso considerável” nos direitos de imprensa.
A permanência de legislações coloniais, aliada à criação de novos instrumentos jurídicos de repressão, consolida um cenário hostil ao jornalismo independente e à transparência pública nas ex-colônias portuguesas na África. A luta pela liberdade de imprensa, portanto, segue como uma extensão do processo inacabado de descolonização.









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